O LP registrado na gravadora Chantecler sob o número 2.74.405.160 não é um disco comum. “Amor aos passarinhos”, como foi batizado o long-play, é o 49º contendo músicas inéditas de Teixeirinha. Infelizmente, é também o último.
Falar no último disco de Vitor Mateus Teixeira é viajar até o ano de 1985 e encarar o final de um importante ciclo na música regional gaúcha. “Amor aos passarinhos” foi gestado durante aquele sombrio 85, quando Teixeirinha ainda estampava as manchetes dos jornais, ora envolvido no polêmico desmanche da dupla com Mary, ora recebendo mais um disco de ouro. O LP anterior (“Quem é você agora...”) havia alcançado grande êxito, ultrapassando as 100 mil cópias vendidas. Superá-lo era a missão para aquele meio de década.
Mas algo não estava bem na vida de Teixeirinha. Numa entrevista em fins de 1984, ele revelava estar 9 quilos mais magro. De fato, sua aparência denotava certo cansaço. O ritmo de shows, outrora frenético, se reduzira. Teixeirinha dava sinais de abatimento. Era hipertenso, sobrevivera a um enfarto e abusava do fumo. Perto dos 60 anos, era um homem fragilizado, mas não abandonava o trabalho. Mesmo que se sentisse exaurido, continuava produzindo.
Supõe-se que pelos idos de abril de 1985, Teixeirinha visitou os estúdios da Gravações Elétricas S/A (detentora do agora selo Chantecler) e realizou aquelas que seriam suas últimas gravações profissionais. Dali, sairia o long-play “Último capítulo”, cuja música homônima ocuparia faixa de destaque. “Último capítulo” era um fox, uma canção que – possivelmente – não foi gravada. É curioso pensar que o título do disco se adequaria absolutamente ao momento em que ele seria lançado, caso tivesse sido levado adiante. Aquele LP seria, de fato, o último capítulo da brilhante trajetória fonográfica de Teixeirinha.
Ainda não se sabe por que “Último capítulo” passou a se chamar “Amor aos passarinhos”. O que se sabe é que Teixeirinha tinha pretensões de lançar o long-play em fins de novembro, numa nítida estratégia para abarcar as vendas do Natal (semelhante atitude já havia sido tomada um ano antes, com “Quem é você agora...”). No entanto, a saúde do cantor ameaçou seus planos. Depois das gravações, ele começou a perceber que algo de grave estava por vir. Uma pequena mancha no lábio inferior de sua boca, o incomodava há alguns anos. Quando surgiram os primeiros diagnósticos sobre o caso, as notícias foram as piores possíveis: Teixeirinha estava com câncer.
Quando o tumor foi detectado, várias outras áreas do corpo de Teixeirinha já estavam contaminadas. O pulmão, um dos pontos mais afetados, o impedia de prosseguir a carreira. Durante estes meses, o cantor procurou todos os recursos possíveis, mas nada poderia lhe trazer esperanças. Em agosto, ele fez sua última apresentação na TV. Em outubro, cantou para 5 mil pessoas em Santa Maria e, intimamente, se despediu dos palcos. Recolheu-se nos altos da Glória e esperou o desenrolar de sua história.
Enquanto Teixeirinha morria lentamente, a Chantecler trabalhava em “Amor aos passarinhos”. O disco ficou pronto durante uma das internações do cantor, no Hospital Lazzarotto, em Porto Alegre. A gravadora enviou uma cópia do material para que ele ouvisse. Atento, escutou e aprovou o resultado final. Quando sua filha Betha chegou ao hospital para visitá-lo, ele teria dito: “Tu gostou da música dos teus irmãos?”. O cantor referia-se aos passarinhos homenageados na primeira faixa.
“Amor aos passarinhos”, a canção, é uma vaneira à base de gaita, violão, percussão e contrabaixo, instrumentos que unidos aos violinos e ao saxofone, compõem o bonito arranjo instrumental de todo o disco. A faixa 1 é uma mensagem ecológica, uma homenagem aos pássaros que tanto encantaram Teixeirinha em seus anos de morador do bairro da Glória. É uma composição que expressa os últimos grandes momentos do cancioneiro de Vitor Mateus Teixeira.
As quatro faixas seguintes são românticas. O bolero “Com pena de mim”, além de extremamente bem orquestrado, tem letra impecável. “Seis e dez da tarde” é outra composição de peso, pois traz à baila um dos maiores dons do compositor Teixeirinha: o talento para montar cenários e descrever momentos com perfeição através da música. “Querendo chorar”, música que ganhou atenção da cantora Adriana Deffenti em 2003, ganha um caráter emocional e pessoal grande no contexto do disco, pois traça um desabafo. “Mulher fingida”, um rasqueado, remonta as canções que fizeram parte de toda a carreira do cantor: românticas, de ritmo acelerado e de variação nas tonalidades muito bem definida. A última composição do lado A, “De peão a fazendeiro”, conta uma história com início, meio e fim (ou pé, barriga e cabeça, como diria o próprio rei do disco), a saga de um peão que ascende na hierarquia do campo e se torna fazendeiro (depois de ter casado com a filha do patrão).
O lado B de “Amor aos passarinhos” começa com “Já me cansei”, uma bonita canção romântica cuja parte alta denota toda a carga dramática alcançada pelo intérprete. “Querência e cidade”, a composição seguinte, é um xote, no mais alto estilo de Teixeirinha. Na minha opinião, é a última grande gravação alinhada ao gauchismo na carreira do cantor. “Momentos de nossa vida” e “Menina de trança” apontam em suas letras a questão da reflexibilidade sobre o passado mais distante. Mesmo assim, são belas canções.
No arremate do disco, duas composições chamam atenção. A primeira, “Gaita e violão”, foi plenamente tomada pelos ouvintes como um desabafo de Teixeirinha que estaria, nesta canção, lamentando a separação de Mary Terezinha. A letra de “Gaita e violão” bem que se encaixa na visão daqueles fãs e admiradores que acreditam na “morte por amor” de Teixeirinha. O problema é que a composição não foi composta com base no rompimento do casal. Uma prova disso está no fato de que a canção já havia sido gravada nos anos 70 pelo regionalista Jorge Camargo e até mesmo pela própria Mary. Teixeirinha apenas resgatou “Gaita e violão” de seus acervos.
Pelo menos até o momento não se pode afirmar o mesmo de “Respondendo aos amigos”, composição que fecha “Amor aos passarinhos”. Parece clara a referência a Mary nos versos “Os amigos me perguntam / Todo instante, a cada hora / Pela mulher que foi minha / Aonde foi, onde mora?...”. Entretanto, afirmar que esta composição é uma referência ao fim da relação entre o rei do disco e a “princesinha do acordeão” é precipitado.
“Amor aos passarinhos” traz na capa e contracapa um Teixeirinha envelhecido e abatido. Trajado à gaúcho, ele aparece cercado por alguns símbolos do Rio Grande do Sul, como o chimarrão e o pala nas cores da bandeira farroupilha. É, sem dúvidas, um arroubo de gauchismo numa carreira que não foi tão alinhada ao tradicionalismo puro quanto se faz entender hoje.
O último LP de Teixeirinha, segundo relatos, chegou às lojas no dia 5 de dezembro de 1985. O “gaúcho coração do Rio Grande”, no entanto, não viu o sucesso do disco. Na noite anterior ao início das vendagens, Vitor Mateus Teixeira se despediu deste mundo em seu quarto, na casa da Glória, em Porto Alegre. “Amor aos passarinhos” acabou sendo um disco inédito e póstumo de Teixeirinha, alcançando muito sucesso e sendo lembrado até hoje por fãs e ouvintes assíduos.
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