DISCOMENTANDO: "Dorme Angelita"

>> 5 de mar. de 2008


“Dorme Angelita”, lançado em 1967, foi o segundo disco gravado por Teixeirinha pela Copacabana. A primeira vista – e diferentemente dos últimos que analisamos – este LP não traz em si uma grande história. No entanto, ele tem em seu conteúdo, e estampado na própria capa, um mistério: afinal, quem é Angelita?

A guarânia “Dorme Angelita”, além de dar nome ao disco, é a primeira faixa do mesmo. Enquanto música tem um ritmo envolvente, executado por violões, violino e percussão (pode-se ouvir, principalmente, um reco-reco). A voz de Teixeirinha está límpida e afinada, contando com o auxílio de Mary nos refrões. Entretanto, a história contada naqueles pouco mais de três minutos gera discussão até hoje. Angelita, neste caso, seria uma filha do cantor que tem a vida salva em circunstâncias misteriosas antes mesmo de nascer. A canção, envolta em metáforas, poderia ser apenas mais uma bela poesia sem significado autobiográfico, mas um texto na contracapa do LP diz que a guarânia, “além da pinta de sucesso, tem muito de pessoal e comunicativo”. O que seria “pessoal” em “Dorme Angelita”? Porque Teixeirinha utilizaria este mesmo nome em outra canção e em dois filmes? Creio que este seja assunto pra outra história.

Por ora, merece destaque a qualidade sonora e das composições de “Dorme Angelita”. O “Lado A”, além da faixa-título, conta com a toada “Linda Camponesa” – com excelente participação de Mary Terezinha. Gaita, violão e triângulo regem o ritmo da canção que mostra o quanto a desigualdade entre uma simples camponesa e um “moço rico” podem ser superadas pelo amor. O destaque destes três minutos e meio de música fica por conta dos últimos versos, nos quais Teixeirinha acompanha Mary em segunda voz.

As outras quatro faixas da face inicial do LP poderiam estar numa lista das mais caprichadas músicas de Teixeirinha. A terceira música é o tango “Falso Amigo” (tocado por violões e guitarras tangueiras). A letra é mediana (e lembra muito o início da própria relação do “Rei do Disco” com Mary), mas o arranjo e a interpretação do cantor são ótimas. A quarta canção é o clássico “O Colono” – composição que já foi interpretada por vários artistas gaúchos. Desta toada de arranjo simples (gaita, violão e percussão), ressaltam-se a bonita declamação inicial e a própria letra, um conselho àqueles que insistem em desprezar as populações ditas “interioranas”. No fechamento deste primeiro grupo, realce para “A Volta do Tordilho Negro” – rasqueado que conclui a história do cavalo redomão do sucesso de 66 – e “Linda Loirinha”, outro rasqueado, na verdade uma regravação mais lenta e caprichada da original de 1963.

Particularmente, considero o “Lado B” de “Dorme Angelita” melhor. Ele começa com uma das minhas dez músicas favoritas: “Lindo Brotinho” – uma rancheira muito rápida de letra fantástica, onde se mesclam sadias provocações à Jovem Guarda com uma letra “descolada”. Não é a toa que esta eletrizante faixa abra a segunda parte do disco.

Na seqüência, três músicas com a cara de Teixeirinha. “Desafio do Grenal” (faixa 2) é um arrasta-pé executado por gaita, violão e contrabaixo no qual, pela primeira vez, Teixeira e Mary digladiam-se em defesa da dupla GreNal (ele como colorado, ela como gremista). “Distante de Ti” (faixa 3) é uma linda valsa com tímida participação de Mary Terezinha. Conta com uma ótima poesia como letra. “Gaúcho Triste” (faixa 4) aparece como toada-milonga, e traz não só o ritmo, mas a letra característica de Teixeirinha – com desavenças amorosas, abandono pela mulher amada e tristeza, além da personalíssima interpretação “arrastada” do cantor.

Por fim, duas toadas encerram o disco. Uma é “Esperando por você” (faixa 5), cuja interpretação e arranjo (apesar de estarem tratando de uma letra triste) não permitem que a canção se torne melancólica. A última composição é “Vento Minuano”, uma belíssima homenagem ao vento mais famoso dos pampas. É uma das canções mais bonitas deste disco, pois mistura linguagem gaudéria, humorismo quase imperceptível e simplicidade numa das poucas canções deste LP em que o gauchismo aflora por completo.

Aliás, a supressão de vários elementos gauchescos e já característicos na obra de Teixeirinha é uma marca em “Dorme Angelita”. Várias músicas trazem ritmos mais regionalizados e até mesmo mais assimilados ao centro-oeste brasileiro (o rasqueado, por exemplo). Na capa, Teixeirinha também não pousa pilchado e nem tem por detrás um típico cenário campeiro (com muito esforço e após várias observações, acredito que a foto de capa tenha sido tirada em algum ponto do pátio da casa do cantor em Porto Alegre). Apesar dos pesares, o disco é muito bom e está longe de descaracterizar o “Gaúcho Coração do Rio Grande”. Até onde se sabe, foi um sucesso de público e vendas, tendo as músicas “Dorme Angelita” e “O Colono” presença garantida nas paradas de sucesso da época. Ah, uma última informação: conheço pelo menos três senhoras que se chamam Angelita graças a este LP!

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