DISCOMENTANDO: “Guerra dos Desafios” (1984)

>> 15 de mai. de 2008

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Em 1982, o LP “Trovas”, da dupla Kleiton e Kledir, incentivou Teixeirinha a produzir um disco contendo dez desafios inéditos, cantados por ele e Mary Terezinha. Desde o fim dos anos 1960, os embates entre o “rei do disco” e a “menina da gaita” eram os principais responsáveis pelo sucesso da dupla. O disco, lançado pela Chantecler, trazia Teixeirinha e Mary em plena forma.

A boa vendagem de “10 desafios inéditos” fez com que a gravadora do “galinho” repensasse sua estratégia. A previsão era de que, a partir de 1983, um outro LP especialmente voltado para os desafios chegasse às lojas. Entretanto, nos dois discos seguintes Teixeirinha e a Chantecler obedeceram à fórmula convencional, isto é, exploraram canções que abordavam temas e ritmos variados.

Neste contexto, um fato marcou definitivamente o projeto de um segundo disco de desafios: em janeiro de 1984, Mary Terezinha e Teixeirinha encerraram – de forma até hoje polêmica – uma parceria pessoal e conjugal que já durava 22 anos. Pela primeira vez, desde 1961, o “rei do disco” estava sozinho.

Para suprir a falta de Mary no acordeom, Teixeirinha travou contatos com Alberto Manique (que já participara da elaboração de boa parte dos arranjos do LP “Que droga de vida”, lançado em 1982) e, mais tarde, com a jovem Adenir Terezinha – oficialmente, sua nova parceira. Porém, faltava uma voz, uma figura tão marcante quanto a de Mary na interpretação dos duetos e desafios. E a Chantecler queria um novo disco com trovas!

A solução para o problema veio do próprio cast da gravadora. A partir de conversas entre artistas e diretores, ficou acertado que a mineira Nalva Aguiar – cantora de sucesso no público sertanejo, reconhecida como “Rainha dos Caminhoneiros” – seria a parceira de Teixeirinha num LP contendo apenas desafios. Nascia aí o disco “Guerra dos Desafios – Teixeirinha e Nalva Aguiar”, único long-play dividido por Vitor Mateus Teixeira com outra intérprete (a exceção dos discos gravados ao lado de Mary, evidentemente).

“Guerra dos Desafios” (com o subtítulo “Minas Gerais X R.G. do Sul”) chegou ao mercado em meados de 1984, quando os jornais do Rio Grande do Sul deliciavam-se explorando (à exaustão, diga-se de passagem) o rompimento entre Mary e Teixeirinha. Como este seria o primeiro LP do gaúcho depois da separação, a imprensa acalentava imensa curiosidade em saber como, afinal, a separação seria tratada. Antes do lançamento, o jornal Zero Hora informava que o novo disco do cantor deveria vender muito, alçado pelas polêmicas que envolviam seu nome.

Eis, então, que o disco começou a circular. Na capa, um cenário meio real, meio forjado (com desenhos de placas sinalizando quadros e faixas nas quais se anunciava o grande embate de rimas entre a mineira e o gaúcho). Teixeirinha, devidamente pilchado e abraçado ao violão, aparece ladeado por Nalva, vestida com trajes que lembram os vaqueiros norte-americanos.

Assim como “10 desafios inéditos”, “Guerra dos Desafios” traz apenas uma dezena de faixas. A maior parte delas, entretanto, tem duração de três a cinco minutos, compensando – portanto – a falta das tradicionais doze músicas. O primeiro título é “Ferro a ferro”, uma música que já demonstra o que seria todo o disco: mudanças súbitas de tom (é visível a disparidade entre os tons de Nalva e os de Teixeirinha), desafios na linha tradicionalmente explorada pelo “rei do disco” e instrumentação básica de violões, gaita, percussão, baixo e – em alguns momentos – fagote, viola e guitarra. Neste início, Teixeirinha parece mesmo se divertir ao entoar mais uma vez o gênero que, desde 1966, era freqüente em seu repertório.

Como nos tempos de Mary, neste LP Vitor Mateus Teixeira também faz o papel de segunda voz quando cantando em dueto. Nalva, com sua voz potente e afinada, começa a segunda faixa, o arrasta-pé “Parada dura”, de letra mais “desaforada” (com expressões mais “saidinhas” da parte dos cantores). Este desafio, entretanto, se inclina mais às músicas românticas cantadas em dueto do que a uma autêntica guerra de rimas.

As outras três faixas do lado A obedecem a uma única determinação: é a tradicionalíssima “brincadeira da palavra”. Em “Na base do improviso”, Nalva dita uma palavra e Teixeirinha faz o verso. Já em “Nalva responde”, a ordem é invertida e o cantor – ao invés de falar a palavra – resolve cantar o desafio. Por fim, em “Perguntas e respostas”, Nalva faz diversas perguntas através dos versos, no que Teixeirinha responde. Neste jogo que lembra um verdadeiro interrogatório, são abordados – ora de forma divertida, ora de maneira séria – temas como o Exército Brasileiro, o machismo, a Seleção Brasileira de 1982, o meretrício, a guerra nas Malvinas e até o homossexualismo!

O lado B de “Guerra dos Desafios” começa com a mais aguardada faixa do LP, a trova “Reportagem”. Nela, pela primeira vez através do disco, Teixeirinha fala abertamente sobre a separação de Mary Terezinha. A música tem como idéia central o fato de que a “curiosa” Nalva Aguiar deseja esclarecer, afinal, o que aconteceu com a dupla. Para tanto, a mineira faz uma entrevista cantada com Teixeirinha, perguntando-lhe sobre os detalhes do rompimento e, ainda, sobre o que o cantor pensa do assunto.

Em “Segura as pontas”, faixa posterior, voltam os desafios – desta vez menos frenéticos e mais insistentes nas mesmas questões. Já em “Pra tudo haverá um jeito” – uma milonga – o disco parece recuperar o fôlego, embora a música também não seja uma trova no sentido literal e sim mais um dueto romântico. Aliás, o duo que explora os temas amorosos repete-se ainda em “Cantiga de amor”, a penúltima faixa do LP. Finalmente, “pra arrematar” – como diria Teixeira – é a vez de “Martelo na cabeça”, uma tentativa bem sucedida de reviver os clássicos “desafios do martelo” que marcaram tão bem a trajetória de Teixeirinha e Mary Terezinha.

“Guerra dos Desafios” pode ser considerado como uma tentativa relativamente bem sucedida de reviver os sucessos provocados pelas trovas. Entretanto, apesar da boa qualidade, consta que o LP não vendeu o esperado, o que não é de todo improvável. Não é bom esquecer que o cantor já não era mais o mesmo. Sua voz já começava a dar sinais de cansaço (isso já vinha ocorrendo desde mais ou menos 1980) e suas rimas tornavam-se mais repetitivas. Além disso, é inegável a falta de Mary no LP, seja na produção dos arranjos, seja na imposição de sua sempre afinada voz. O que restou foi um bom disco, porém sem a mesma magia das gravações anteriores.

Daí em diante Teixeirinha não gravaria mais desafios. Nalva Aguiar seguiu sua carreira de sucesso (estando presente na mídia até os anos 1990 e, recentemente, participando do programa “Rei Majestade”, promovido por Silvio Santos). Vitor Mateus Teixeira, longe das trovas, produziria apenas mais dois discos, os últimos de sua vida.

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