VELHOS TANGOS

>> 14 de dez. de 2007

Carlos Gardel

“Sus ojos se cerraron... y el mundo sigue andando...”. Não, os argentinos jamais conheceram alguém igual a Carlos Gardel. Nunca encontraram um só artista que suprisse a falta de “El Morocho”, o maior ídolo da história da Argentina. Nesta semana, no dia 11 de dezembro – aniversário de Gardel – o mundo comemora o Dia Internacional do Tango, o ritmo que saiu dos subúrbios portenhos para conquistar os teatros da mais alta envergadura em todo o planeta.
Charles Romuald Gardes – só mais tarde, Carlos Gardel – nasceu em 1890, na cidade francesa de Toulouse (embora até hoje se discuta seu verdadeiro local de origem). Apelidado de “El Zorzal Criollo” e, depois, de “El Morocho de Abasto”, o jovem Carlitos começou a cantar desde muito cedo. Em 1925, quando desfez a dupla que mantinha com José Razzano e partiu em carreira solo, já gravara centenas de discos e apresentara-se em vários países, além de participar de um filme mudo.

A maior voz do tango em todos os tempos

Sozinho, sem empresários e sem limites, Carlos Gardel tornou-se o maior ídolo popular da Argentina. Gravou centenas de discos (todos de 78rpm, pois o LP surgiria apenas em 1948). Atuou em dez filmes gravados em Buenos Aires, França e, depois, nos Estados Unidos. Desde que cantou seu primeiro tango, em 1917, especializou-se no gênero, criando – inclusive – um novo estilo, o chamado tango-canção. Seus espetáculos eram sempre sinônimo de sucesso. Na Argentina lotava qualquer teatro. Na França, Espanha e Itália, também. Em Hollywood, tornou-se um dos artistas mais bem pagos, chegando a contracenar em três filmes num único ano.
Gardel era mais um destes artistas do impossível. Em plenos anos 1930, época em que a tecnologia avançava à conta-gotas, “El Morocho” ousou cantar um tango na rádio NBC (a principal dos Estados Unidos) sendo acompanhado por uma orquestra portenha que estava na rádio Belgrano, em plena capital Argentina. Carlitos deixava todos atônitos. Contam alguns que sua presença era incomparável. Era sorridente, visivelmente feliz.
No Brasil, Carlos Gardel também foi popular. Seus discos começaram a despontar por aqui a partir da década de 30. Tão logo chegaram e já se transformaram em campeões de venda. Gardel era um mito, um símbolo da prosperidade alcançada por um artista. Suas músicas logo ganharam versões nas vozes de brasileiros. Francisco Alves e Nelson Gonçalves são apenas dois dos mais populares intérpretes do “Zorzal” em nosso país.
A partir de 1933 – depois de sua última viagem a Buenos Aires – Gardel é do mundo. Os argentinos deliram com as notícias de seu sucesso. Em pouco mais de dois anos ele será o maior nome latino-americano – já que a nossa pequena notável Carmen Miranda ainda não alcançara tanta fama no exterior. Porém, o orgulho portenho sofre o mais mortal de seus golpes na tarde de 24 de junho de 1935. Neste dia, o avião que transportava Carlos Gardel choca-se com outro durante a manobra de decolagem, no aeroporto de Medellín, Colômbia. Gardel morre na hora, aos 45 anos de idade. A comoção é geral. Para alguns, a notícia era uma invenção, uma história sem sentido, um boato da imprensa.

Assim como Teixeirinha, Carlos Gardel também ganhou um túmulo representativo


Aqui no Brasil, foram realizadas inúmeras homenagens ao astro do tango. Cantores gravaram seus sucessos, poemas foram escritos em sua memória e estátuas foram erguidas em sua reverência. No Rio Grande do Sul, aonde as ondas das rádios castelhanas invadem facilmente nossos aparelhos, gerações inteiras cresceram ouvindo os tangos de Gardel. Nesta época, com apenas oito anos, o menino Victor Mateus Teixeira talvez tenha feito parte de uma destas gerações.
Evidentemente, comparar Gardel com Teixeirinha (ou vice-versa) é uma insanidade. É bem verdade que os dois foram grandes cantores, homens de origem simples, não contavam com empresários, participaram de filmes e foram idolatrados pelo grande público. Porém, eles viveram em gerações completamente diferentes. Gardel faz parte daquilo que os historiadores chamam de “Belle épocque” (uma espécie de Era de Ouro), quando os cantores ostentavam aquele canto mais refinado (semelhante ao das óperas), vestiam-se de smoking e apresentavam-se em teatros gigantescos, acompanhados de suntuosas orquestras. Teixeirinha, sabe-se bem, faz parte de uma geração mais nova, desta que se apresenta ao ar livre ou em circos, cantando músicas simples e trajando roupas comuns.
Mas, diferenças e semelhanças à parte, não há como negar a influência de Gardel na produção de Teixeirinha. É fácil perceber que o nosso “Rei do Disco” conhecia os tangos do “Morocho” e que seguia seus passos. Os próprios números comprovam que Teixeirinha também trazia consigo a “gana tangera”: em 26 anos de carreira fonográfica, “O gaúcho coração do Rio Grande” gravou 27 tangos e compôs um número ainda maior do que este. Aliás, segundo Israel Lopes (biógrafo de Teixeirinha), o cantor venceu seu primeiro concurso de calouros no rádio cantando a versão brasileira do tango “Adiós Muchachos”, grande sucesso de Gardel nos anos 1920.
Os tangos de Teixeirinha seguem a mesma linha do tango-canção de Gardel. As temáticas – ao contrário do ídolo portenho – são bem mais restritas, resumindo-se a amores mal-resolvidos (com algumas raras exceções). De qualquer forma, Teixeirinha era bom também no tango. Em “Tábua fria que chora” (1967), ele faz uma metáfora com o violão e diz: “Violão, tábua fria que chora / Nós estamos sozinhos outra vez / Ontem, antes de brigar com ela / Eu, você e ela, éramos três...”. Já em outro, intitulado “Vida fantasia” (1969), os versos iniciais mostram a carga de emoção que se une ao ritmo dramático do tango: “Eu me encontro tão sozinho / Nesta vida fantasia / Amargando com desprezo / Da mulher que eu mais queria...”.
É claro que Carlos Gardel, por ser especialista em tangos, gravou músicas que nem sempre eram tão sentimentais. Em “Leguisamo solo” (1926), por exemplo, ele canta um tango em ritmo frenético, numa bonita homenagem ao jóquei Leguisamo, conhecido como “El Mono”, um de seus grandes amigos. Teixeirinha, ao contrário, aproveitava o ritmo para tratar dos temas mais trágicos e dramáticos possíveis. Basta lembrar, por exemplo, do tango “Adeus, Carmen Miranda” (1963), no qual ele lembra dos tristes instantes que se sucederam à notícia sobre a morte da “Brazilian Bombshell”.
Mas em dois momentos Teixeirinha cantou tangos que falavam justamente de tangos. Isso mesmo! Um deles foi em 1981, quando gravou “Meu tango triste”, uma canção de letra e música muito especiais. Nela, ouve-se: “Quando ouvires o meu tango triste / Pare e penses um pouquinho em mim / Eu sei que ainda no teu peito existe / Uma saudade que não tem mais fim...”.
O outro tango foi gravado em 1980, quando se completaram 90 anos do nascimento de Gardel e 45 de sua morte. Recebeu o nome de “Velho tango” e um arranjo bastante completo. Aliás, todos os tangos de Teixeirinha foram conseqüência de decisões muito inteligentes no que se refere à melodia. A segunda versão de “Migalha de amor” (gravada em 1977), por exemplo, foi gravada com acompanhamento de guitarras, igual às antigas gravações de Gardel.
Mas, voltando ao “Velho tango” de 1980. Na letra, que tem muito dos tangos de Carlos Gardel, Teixeirinha rememora os velhos e esquecidos sucessos do “Morocho”, mesclando uma emocionante interpretação com uma declamação (e declaração de amor) em homenagem ao tango. Bem, para encerrar esta matéria em homenagem a Carlos Gardel (de quem sou um fã declarado), ao Dia do Tango, e aos tangos de Teixeirinha, deixo com vocês a letra do “Velho tango”:

Velho tango
Faz lembrar Carlos Gardel que já morreu
Velho tango
Faz lembrar um grande amor que já foi meu

Velho tango
Desprezado, igual a mim emudeceu
Velho tango, bandoneões fora de moda
Velho tango, este mundo é uma roda
Dentro dele, quem és tu e quem sou eu?


[Declamado]
“Velho tango, brasa viva de outras eras!
Bandoneões, violinos e o seu cantor!
Outros ritmos te transformaram em cinzas!
Velho tango, tango triste sem calor!
Velho tango, os tempos idos jamais voltam.
Choro contigo, na mesma desesperança,
o amor mais lindo, que marcou na minha vida,
tango eu te canto e falo nela por lembrança
!”

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