ESPECIAL: Zero Hora, dezembro de 2007
>> 11 de abr. de 2008
Atendendo a pedidos e em virtude desta ser, provavelmente, a última semana antes da chegada do esperado notebook, estou postantando uma reportagem sobre Teixeirinha publicada no Caderno de Cultura do jornal Zero Hora (Porto Alegre). A matéria foi editada em 1º de dezembro de 2007 e, portanto, é bastante recente. Nela, vocês poderão conhecer um pouco mais sobre o dia em que o “Rei do Disco” faleceu. O texto é de Luiz Zini Pires e as fotos são do Banco de Dados ZH.
MEMÓRIA
Teixeirinha pediu gaita,
violão e trova no velório
LUIZ ZINI PIRES
O trovador Gildo de Freitas e o maior ídolo popular da música gauchesca morreram na
mesma data em Porto Alegre, um 4 de dezembro, com três anos de diferença
mesma data em Porto Alegre, um 4 de dezembro, com três anos de diferença
Sete parentes, mulher, cunhada, filhos e maridos circulavam lotados de maus pressentimentos pelo número 5.260 da Avenida Oscar Pereira, no bairro Glória, em Porto Alegre. Uns nervosos, outros mais. O ilustre dono da casa com piscina em forma de cuia de chimarrão, Vitor Mateus Teixeira, 58 anos, sofria no anoitecer de primavera do dia 4 de dezembro de 1985, uma quarta-feira, e preocupava todos.
O maior ídolo popular da música gauchesca que, entre 1961 e 1985, gravou 65 LPs e vendeu mais de 20 milhões de discos. Fez 12 filmes e foi assistido por cerca de 15 milhões de espectadores, estava debilitado. O câncer o atacava sem perdão, e o coração falhava. Parte do ano, entre junho e novembro, foi gasto no Hospital Lazarotto e no da PUC. O cantor nunca mais foi o mesmo após sofrer um infarto, em janeiro de 1984, em Capão da Canoa. Piorou muito, pior do que dois infartos, com a separação de Mary Terezinha, rachando uma parceria (e um amor) de 22 anos.
Às 19h, ganhou a sua última refeição no quarto, deitado. Recebeu uma simples vitamina de mamão, que ele adorava, mas pouco tocou no copo. Estava sem apetite, amolado, carente de ânimo. Perto das 22h, sua mulher, Zoraida, pediu que as filhas chamassem uma enfermeira. Ela não estava gostando da cor e da apatia do marido. Queria saber os números exatos da pressão do enfermo.
Teixeirinha só piorava. Sua filha Margareth estava no quarto, ao lado da cama, quando ele sentiu uma dor forte no peito e perdeu os sentidos por volta de 23h:
Pai, pai, o que é? – ela perguntou.
Ele não respondeu. O pronto-socorro foi chamado. Tentaram massagem no peito. Nada. O horário da sua morte foi confirmado depois, 23h50min. A causa só mais tarde, parada cardíaca. Se foi como o pai (Saturnino), falha no coração. A mãe (Ledurina), epilética, caiu sobre o fogo e morreu. A cena inspirou a música Coração de Luto, seu maior sucesso.
Teixeirinha morreu no mesmo dia, embora com três anos de diferença, que o trovador Gildo de Freitas. O primeiro grito fora da casa foi o das rádios na madrugada de 5 de novembro:
– Teixeirinha morreu.
– Teixeirinha morreu.
A notícia trágica pegou o Rio Grande de surpresa, chocou e apagou outras duas informações que estavam dominando o dia: o novo pacote econômico do governo Sarney e o caso do homem que teria sido torturado com água quente na 2ª DP de Gravataí.
Na residência da Glória, a filha Elizabeth, a Beta, era a mais lúcida entre todos. Sempre nessas horas alguém da família toma a dianteira com certos preparativos:
– Fui no armário dele e escolhi cueca, camisa e meias novas. Queria enterrá-lo com suas melhores roupas. Escolhi um traje branco. Achei o melhor.
A advogada Beta, 47 anos, diz que nunca pensou em vestir o pai com bota, lenço e bombacha:
– Ele não tinha o hábito de usar pilcha – disse, 22 anos depois.
– Ele não tinha o hábito de usar pilcha – disse, 22 anos depois.
O velório começou às 8h de quinta-feira no Salão Nobre do Estádio Olímpico, onde milhares de pessoas tentaram ver o corpo, beijar o caixão, deixar uma flor, mensagens e lembranças ou simplesmente chorar. Dos nove filhos, oito compareceram ao funeral. Uma das filhas, Líria, que estava em Santo Ângelo, chegou só para o enterro. Das quatro mulheres com quem teve filhos, Mary Terezinha não foi ao velório, não ligou, não disse nada aos outros familiares.
- A Mary agiu certo em não aparecer no estádio. Os fãs do Teixeirinha não gostariam de vê-la perto do caixão – acredita o músico Victor Matheus Teixeira Filho, 50 anos.
Teixeirinha era gremista, mas não fanático. Às vezes, nas trovas, fazia o papel de colorado.
– Acho que o pai nunca pensou em ser velado no Olímpico, quando muito na Assembléia Legislativa – revela o filho.
O cantor deixou intenções claras sobre o enterro na música A Morte não Marca Hora:
(...) / Não é preciso choro, sorriam para mim / Me levem, por favor, pra última morada / Cantando minha música de gaita e violão / Quero dois bons trovadores / Em 10 minutos de rima (...)
O féretro deixou a Azenha às 18h. Batedores da Polícia do Exército (PE) abriam caminho para o carro do Corpo de Bombeiros que carregava o ataúde em direção ao Cemitério da Santa Casa. Na passagem, cenas de histeria, empurrões, choros, palmas e música. Quando o caixão chegou à beira do túmulo número quatro, quadra quatro, a multidão portando fotos, cartazes e flores começou a aplaudir e a cantar Coração de Luto. A Banda da Brigada Militar tocou Vigilante, música que Teixeirinha compôs especialmente para a BM.
O padre Antônio Gruta encomendou o corpo. Trovadores e cantores improvisaram versos à beira do túmulo, saudando o homem e o artista. O amigo Valdomiro Mello chegou de Brasília para declamar.
– Quando eu morrer, quero que venhas trovar no meu velório – pediu Teixeirinha dois meses antes, por telefone, segundo publicado em Zero Hora.
No momento que o caixão estava baixando, chegou a filha Líria, que pediu para ver o pai pela última vez. O caixão subiu, foi aberto e Líria fez a sua despedida.
– Janguinha, um grande amigo, queria colocar o violão que o pai usava dentro do túmulo. Eu não deixei. Nem a gaita foi junto. Os dois instrumentos estão guardados – lembra Teixeirinha Filho, que faz shows pelo Brasil cantando 450 músicas do pai.
Autor do livro Teixeirinha, O Gaúcho Coração do Rio Grande, o advogado de São Borja Israel Lopes, 57 anos, sentiu profundamente a morte do ídolo. Se recolheu num dos cantos da casa, e o dia acabou. Quando teve um filho o chamou de Vitor e investiu 17 anos na pesquisa do livro de 215 páginas.
– Ele cantava o regionalismo baseado no dia-a-dia do gaúcho. Buscava o homem do seu tempo, não o do passado. Ele foi poeta, trovador, seresteiro e regionalista.
Bandeiras do Brasil, do Rio Grande do Sul e de Crissiumal, no Paraná, jogada por um fã num último momento, cobriram o caixão, junto com dois lenços, um branco, outro preto, e flores, muitas flores, no sepultamento.
Depois da cerimônia, a multidão demorou a descobrir o rumo. Muitos ainda se amontovam em cima de outros túmulos, rezavam, cantava, choravam e tentavam se aproximar do lugar onde Teixeirinha descansava. A noite chegou. As pessoas foram ficando, sem medo de fantasmas, apenas tentando permanecer nas proximiades do ídolo por mais alguns minutos, os últimos, os que seriam lembrados para sempre. Cerca de 50 mil pessoas circularam entre o Olímpico e o cemitério naquela quinta-feira.
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