AS SIGLAS DA CONFUSÃO

>> 18 de jan. de 2008


O leitor com idade acima de 20 anos ainda deve se lembrar de quando existiam os bolachões, os discos de vinil geralmente contendo doze músicas (seis de cada lado), que eram guardados com todo o cuidado para que não arranhassem. O tempo passou, a tecnologia chegou e o vinil desapareceu. Para substituí-lo, chegou o CD, um pequenino e poderoso disco, capaz de armazenar muitas músicas a mais do que o velho LP. Poucos anos depois, outra novidade: o MP3, formato imensamente menor e mais prático do que todas as mídias anteriores. Com ele, a música pode ser transportada para qualquer lugar sem transtornos. Só ele permite que canções viagem pela Internet e que um único CD armazene a discografia inteira de um grande cantor.

Mas tanta evolução tem seu preço. Repetidamente vitimada pela pirataria e até mesmo pelos descuidos das indústrias fonográficas, a música (em especial a antiga) muitas vezes se perde, se altera e fica sem significado. Somente alguns privilegiados artistas têm sua memória musical plenamente preservada e, geralmente, são aqueles que vendem milhões de cópias no âmbito nacional e, preferencialmente, no internacional. Carmen Miranda, a pequena notável que revolucionou a história do disco no Brasil, é uma destas campeãs de vendagem em qualquer época e local. Roberto Carlos, o rei, também.

E Teixeirinha? A primeira vista, esta pergunta parece fácil. Indiscutível sucesso de vendas, o “Rei do Disco” continua sendo um prato cheio para a indústria fonográfica. Apesar disso, infelizmente, os diretores e executivos das gravadoras parecem não crer plenamente no potencial do cantor.

Em 1993, quando o CD ultrapassou o LP no número de cópias vendidas, Teixeirinha já era morto. Mesmo assim, no ano seguinte, um disco do cantor, intitulado “Os grandes sucessos de Teixeirinha”, conseguiu o histórico feito de receber sucessivamente o Disco de Ouro e o Disco de Platina, prêmios que representavam 100 mil e 250 mil cópias vendidas, respectivamente. O CD, lançado pela Warner Music do Brasil, mostrou aos executivos da gravadora que eles dispunham de uma lucrativa preciosidade: quase 70% dos discos inéditos lançados por Teixeirinha em vida pertenciam ao acervo da empresa.


A Warner se apressou em aquecer suas vendas com um produto cujo lucro era praticamente total (pois a gravadora não despenderia de nenhum centavo na contratação de músicos e arranjadores, já que os discos estavam gravados). Já em 1995, chegavam às lojas os primeiros “Dose Dupla”, discos que reuniam dois LP’s num único CD. Paralelas a estas primeiras remasterizações, a Warner Music lançaria também pequenas coletâneas diversificadas, como “Milonga da Fronteira” e “Popularidade”. Um outro filão da multinacional foi o disco “Teixeirinha canta com Amigos”, um trabalho de montagem utilizando apenas a voz do “Gaúcho Coração do Rio Grande”, que foi digitalmente agregada a novos arranjos e vozes de artistas atuais, como Gaúcho da Fronteira e o grupo Os Serranos.


A Warner Music do Brasil, talvez graças à presença de Braz Baccarin – entusiasta e fã de Teixeirinha, que atua como conselheiro da multinacional – tem por hábito lançar pelo menos uma coletânea com músicas de Teixeirinha por ano. Como já vimos, fonogramas (as gravações originais das músicas) não faltam à empresa. Sua concorrente em potencial, a também internacional EMI (que detém a marca Sony Music), é dona dos aproximadamente 30% restantes da discografia de Teixeirinha. Embora dispute acirradamente a liderança pelo mercado fonográfico brasileiro, a EMI é visivelmente menos engajada na difusão da obra do cantor.

Dona de um poderoso cast, a EMI costuma ser mais seletiva quando o assunto é remasterização. Nos anos 1990, quando a maioria das gravadoras brasileiras ou pediu concordata, ou foi vendida, a empresa alemã não poupou esforços para arrematar os acervos de quem ia saindo do mercado. Aos poucos, seus porões foram se enchendo dos discos de Ângela Maria, Paulo Sérgio, Agnaldo Timóteo, etc. Embora comprando algumas verdadeiras relíquias, a EMI tinha seu interesse debruçado mesmo nos discos que consagraram os artistas da Jovem Guarda. Cuidadosamente remasterizados, no fim da década de 90 os sucessos do “iê-iê-iê” eram novamente disputados nas lojas de discos. Os “bolachões” de menos prestígio (dentro de uma concepção que visa desmerecer os artistas verdadeiramente populares), tiveram seus projetos de digitalização engavetados e, aos poucos, apodrecem em galpões.


Apesar do desleixo, a EMI não pôde ficar quieta ante o sucesso da Warner. Em 1999, a gravadora delegou alguns profissionais para um novo projeto, as séries “Raízes Sertanejas” e “Raízes dos Pampas”. Sistematicamente, foram remasterizadas canções de Tonico e Tinoco, Chitãozinho e Xororó, Cascatinha e Inhana e, para a coleção gaúcha, preciosidades como Alemãozinho da Acordeona, José Mendes, Francisco Vargas, Jorge Camargo, Zezinho & Julieta e, evidentemente, Teixeirinha – que, devido ao vasto repertório, mereceu dois CD’s da série.

“Raízes dos Pampas” foi uma das tentativas mais sérias já empreendidas pela EMI com relação aos fonogramas antigos. O sucesso dos CD’s foi tanto que os de Teixeirinha permanecem em catálogo até hoje. Embora tenham sido remasterizadas cerca de 50 músicas (de um total de mais de 100), foi graças à coleção, que sucessos como “Tropeiro velho” e “Querência amada” voltaram às prateleiras das lojas.

Mas, apesar das coleções, ainda faltava uma remasterização séria, capaz de digitalizar na íntegra LP por LP de Teixeirinha; e isso tanto na Warner, quanto na EMI. Pois em 2001, um projeto com ares quixotescos ousou realizar parte da tarefa. Em Porto Alegre, Adiel Macedo de Carvalho e Eloi Soares da Silva recém haviam fundado a E.S. Discos e Produções Artísticas, mais uma das tantas pequenas gravadoras que existem. Talvez tentando capitalizar o empreendimento, os dois resolveram relançar LP’s de Teixeirinha gravados pela extinta Copacabana, em CD. Vale lembrar que as músicas destes discos pertencem justamente à referida EMI – que comprou todo o acervo da Copacabana.

Em 2002, a partir de um trabalho de qualidade duvidosa (e que hoje gera polêmicas suspeitas), a ES Discos fustigou o mercado com mais de 15 CD’s inéditos de Teixeirinha. A maioria dos discos foi remasterizada de forma intacta, mas alguns (quiçá para que se tornassem mais atrativos) ganharam “faixas bônus”. Nas capas, apesar da manutenção das fotos originais, foram alterados os caracteres e um dos discos teve seu título modificado de “Norte a Sul” para “Flor Gaúcha”. Em suma, apesar de valiosa por ter sido a primeira tentativa real de remasterização completa de LP’s, o empreendimento da ES Discos em não raras vezes despertou desconfianças e, mais do que isso: as cópias atualmente não são reconhecidas como originais nem pela EMI (apesar de que os discos trazem o logotipo da Copacabana), nem pela Editora Internacional Teixeirinha. Ou seja, oficialmente, somente algumas músicas dos 16 LP’s de Teixeirinha na Copacabana foram lançadas em sistema digital.

Quando os discos da ES saíram de catálogo (possivelmente devido a alguma batalha judicial) a Galpão Crioulo Discos, pertencente à gravadora Orbeat, do Grupo RBS, decidiu lançar em CD os LP’s de Teixeirinha gravados pela Chantecler. Estes discos, entretanto, passaram a pertencer à Continental em 1978 e, mais recentemente, à Warner Music. Então, um acordo entre as marcas foi engendrado e, em 2004, chegava às lojas de todo o Brasil a “Série Gauchíssimo”, com discos nunca antes remasterizados tanto de Teixeirinha, quanto de Gildo de Freitas. Trazendo itens mais raros e produzidos com mais qualidade do que os discos da ES, a coleção da Warner fez tanto sucesso que os produtores resolveram amplia-la dos iniciais 15 discos para 26 títulos (incluindo apenas Teixeirinha!). Foi graças à “Série Gauchíssimo” que grande parte do público brasileiro entrou em contato novamente com a obra do “Rei do Disco”.

Não se sabe bem o porquê, mas até hoje a EMI ainda não se dignou a seguir o caminho da Warner. Apesar de lançada pela ES, a discografia de Teixeirinha na Copacabana não é conhecida pela maior parte dos fãs do cantor. Se o acervo da Copacabana pertencesse à Warner, a coleção “Gauchíssimo” certamente seria maior. Como isso não ocorre, só resta aos colecionadores apelar para a compra de discos de vinil ou para a troca de músicas via Internet. E é aí que entra em cena o MP3. Não é segredo (e muitos sabem disso) que cerca de 500 músicas de Teixeirinha podem ser encontradas em programas que compartilham arquivos e servidores que disponibilizam todo tipo de conteúdo. A Fundação Teixeirinha – e sua extensão, a Editora Internacional Teixeirinha – são terminantemente contra a troca de músicas na rede mundial de computadores. Entretanto, para os internautas – que não vêem outra forma de possuírem canções consideradas perdidas – só resta apelar para tal via. Além do mais, alguns LP’s de Teixeirinha – geralmente os mais difíceis de se encontrar, mesmo em vinil – tiveram poucas ou nenhuma de suas músicas lançadas em CD. São os casos, por exemplo, dos discos “Teixeirinha interpreta” (1963), “Novo Som de Teixeirinha” (1977), “Rio Grande de Outrora” (1981), “10 Desafios Inéditos” (1982), “Chegando de Longe” (1983) e de algumas trilhas sonoras dos filmes.


Coletâneas variadas como a série "Bis Sertanejo" (EMI) ainda são as favoritas pelas gravadoras

Muitos aficionados, que não vêem perspectivas de que estes e outros LP’s sejam lançados em breve, têm apelado para soluções próprias: munem-se do equipamento necessário e fazem eles próprios a remasterização dos discos. Daí para a difusão dos fonogramas entre os fãs é um passo.

Ao final, algumas perguntas ficam como moral da história: como obter músicas que não foram oficialmente remasterizadas sem infringir a lei dos direitos autorais? Os fãs que compartilham músicas entre si, sem fins comerciais, devem ser considerados criminosos? E o que fazer, então, para que as gravadoras ouçam os apelos dos fãs e ponham de volta nos catálogos os discos antigos? Será que ainda poderemos adquirir uma coleção verdadeiramente digna do talento e da primorosa história de Teixeirinha? E onde fica, afinal, aquela antiga máxima “Disco é Cultura”?

5 comentários:

Anônimo 21 de janeiro de 2008 às 09:48  

TENHO DIVERSOS CDS DO TEIXEIRINHA! MAS A MUITOS ÁLBUNS QUE DEVERIAM SER LANÇADOS! TOMARA QUE UM DIA ISTO OCORRA!
BEIJOS A TODOS!

Anônimo 23 de janeiro de 2008 às 06:05  

Falando em MP3, ninguém teria o álbum "Última Tropeada" para download?
Sei que isto não é certo, mas é uma maneira de todo mundo ter acesso a obra de Teixeirinha.
Outra não existe CD, então não tem como reclamarem, pois se tivesse o CD, compravamos!

Anônimo 24 de janeiro de 2008 às 05:02  

Ótima matéria Chico!
Esta Fernanda Athayde tem boas idéias, primeiro a matéria da Mary, agora essa, mas nenhuma teria sucesso se não fosse os seus textos.
Parabéns mais uma vez!

Anônimo 25 de janeiro de 2008 às 11:55  

Obrigado Julio!
E meus sinceros parabéns Chico!
A matéria ficou ótima, pena ainda existirem tantos LPs se remasterização.
Beijos.

Anônimo 16 de outubro de 2008 às 15:10  

EU tenho 366MB DE MUSICAS DO TEIXEIRINHA E SEI ONDE TEM O LP "A ULTIMA TROPEADA" DE 1969 O SITE EH
"http://quinho-detudoumpouco.blogspot.com/2008/08/teixerinha-discografia.html"
Elton Jhon Rodrigues

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