DISCOMENTANDO: "Teixeirinha Show"

>> 8 de fev. de 2008

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Em meados de 1963, Teixeirinha já tinha feito de tudo um pouco na Chantecler. Contratado exclusivo da gravadora desde 1959, ele já gravara seis álbuns. No último, o consagrado “Rei do Disco” cantava – pela primeira vez – músicas de outros compositores. “Teixeirinha interpreta músicas de seus amigos” (o sexto LP) fazia parte de uma bem sucedida estratégia que tinha por objetivo diversificar a carreira do “Gaúcho Coração do Rio Grande”. A Chantecler, contudo, ainda queria mais.

Naquele mesmo 1963, um outro projeto pipocava na mente dos produtores responsáveis pelo selo “Sertanejo” (divisão pela qual eram lançados os discos de Teixeirinha na Chantecler). Tratava-se de um inédito LP show.

Mas, nos longínquos anos 60, a tecnologia ainda não era tão avançada. Se no século XXI, discos “acústicos” ou mesmo “ao vivo” são produzidos com facilidade e rapidez, o mesmo não se pode dizer daqueles tempos. A nova empreitada envolvendo Chantecler e Teixeirinha, portanto, deveria ser muito bem pensada. A principal missão era aliar baixo custo e alta qualidade a um produto fora dos padrões adotados até então.

É aí que começa a polêmica em torno do LP “Teixeirinha Show”, lançado em 63. Diretamente: ele é ou não uma gravação “ao vivo”? Sinto decepcionar àqueles que pensavam que sim, mas a resposta é negativa. “Teixeirinha Show” é fruto de uma grande e competente edição, aliada a um script muito bem planejado. Isso mesmo! Para evitar os altos gastos – e uma possível qualidade sofrível do produto – a gravadora do galinho forjou um LP no qual Teixeirinha, Mary Terezinha, o Regional Chantecler, um locutor desconhecido e mais de 3.600 pessoas (!) participam de uma tremenda apresentação que seria lançada nacionalmente no mercado fonográfico. As provas de que aquele não é um show de verdade? Daqui a pouco vocês verão!

O disco em si traz as mesmas e tradicionais doze faixas de sempre. A primeira, intitulada “Apresentação”, começa com o locutor (cuja identidade é nebulosa) anunciando o show: “Alô, senhoras e senhores! Muito boa noite! Neste momento tenho o grande prazer de apresentar para todos vocês o único e maior repentista brasileiro no disco: compositor e cantor de sua própria música, Teixeirinha, o gaúcho coração do Rio Grande; e sua acordeonista, Mary Terezinha!”. Um acorde de viola e sanfona – entremeado por aplausos – e começa a apresentação. De início, um “improviso” do “Rei do Disco”, onde ele saúda a platéia. Logo no segundo verso, é informada a dimensão do público ali presente, fato utilizado para dar um realismo maior à gravação:



Quase quatro mil pessoas
Que me assiste nesta hora
Tem a segunda sessão
Que está esperando lá fora

Cheguei no palco cantando
Fez ‘tirim’ a minha espora
E os meus versos ‘sai’ da mente
Pro senhor e pra senhora
Para as moças e os rapazes
Pra crianças canto agora



Bem, até aí o disco parece mesmo ter sido feito a partir de um show. No fim do improviso o locutor volta a mencionar o público, dizendo que “Teixeirinha canta para 3.600 pessoas, e ainda tem a segunda sessão esperando lá fora!”. Feitas as devidas apresentações, o “Gaúcho Coração do Rio Grande” agradece as palavras (desta vez falando, e não cantando) e chama a “senhorita Mary Terezinha”, tratada como “minha acordeonista”, que “me acompanha nas gravações, nos espetáculos por todo o Brasil e também no estrangeiro”.

Depois de 5 minutos e 34 segundos tomados por falas, repentes e aplausos, passamos à segunda faixa do álbum. Aqui, permanecem as palmas, mas somem as falas, pois é hora de cantar. O chamado “primeiro número” é a rancheira “Linda Loirinha” (que, anos depois, seria regravada com outro ritmo). Trata-se de uma bela canção, leve e animada, na qual todos os quatro versos de uma mesma estrofe rimam. Basicamente, é a história de um rapaz que, muito apaixonado, sai de sua terra natal rumo a Lages (Santa Catarina), aonde irá encontrar a “linda loirinha” (moça repleta de qualidades). Apesar de curta (possui apenas 1 minuto e 55 segundos), particularmente, considero esta a melhor música deste disco, pois nela transparecem empolgação e alegria ao mesmo tempo.

Passamos à terceira música de “Teixeirinha Show” e... surpresa! Uma faixa de quase dez minutos, onde são intercalados versos cantados e falas. Aliás, falas não; locução esportiva! Para que entendam, deixo que Teixeirinha explique melhor o “Futebol dos Bichos”. Ele diz: “Agora vou cantar e irradiar uma partida de futebol. É o seguinte: quando eu estive no sertão... que Deus me livre... eu assisti uma partida de futebol entre os bichos, e o locutor... o locutor era o papagaio”. E começa uma das mais esquisitas (no bom sentido!) músicas gravadas pelo “Rei do Disco”. Primeiro alguns versos apresentando os dois times (o esquadrão do Conde Tigre e o quadro do Rei Leão), ambos compostos por animais da floresta. Depois, feitas as devidas premissas musicais, Teixeirinha assume a narração do evento (ocorrido no “Estádio das Pitangueiras” e arbitrado pelo elefante), sendo auxiliado pela repórter de campo, Mary Terezinha.

O jogo é longo e a locução de Teixeirinha é digna do “rádio-metralhadora” (aquelas locuções radiofônicas onde os profissionais tem o incrível dom de emitir 3 ou 4 palavras num único segundo). E o resultado do jogo? Dois a zero para a equipe do Conde Tigre (gols de tatu e veado), com direito a bola na trave, jogador contundido (o goleiro sapo) e, no final, uma briga monumental entre jogadores, arbitragem e até as esposas dos atletas! Falando sério e sucintamente: haveria – em toda a carreira de Teixeirinha – uma faixa mais adequada às crianças do que esta?

Depois de “Futebol dos Bichos”, Teixeirinha conta uma piada, é aplaudido e anuncia a próxima atração: o tango “Falsa Mulher”. Compondo a quarta faixa deste Lado A, vemos uma música mais tradicional e adulta, tratando dos desamores e da falsidade de alguma mariposa. Apesar do arranjo pouco elaborado (são audíveis apenas um ou dois violões e a gaita), este é um ótimo tango.

Fechando esta primeira face do “Teixeirinha Show” (este disco, excepcionalmente, traz cinco faixas de um lado e sete do outro), surge a mais famosa e esperada “música” do disco. O título é simples, mas adequado: “Repente”. Nele, pela primeira vez em sua carreira, Teixeirinha transporta para um LP aquilo que era uma de suas marcas, isto é, o dom de repentista.

A fórmula do “Repente” é conhecida: alguém na platéia diz uma palavra e o repentista tem que bolar suas rimas a partir daquela sugestão. Mas esperem! Há alguns parágrafos atrás, prometi que mostraria evidências de que este não é um disco “ao vivo”. Chegou a hora de conhecermos algumas destas provas.

Teixeirinha explica o que transcorrerá em “Repente” e pede aos membros da platéia quatro palavras. Na primeira, uma “senhorita” grita o termo “amor”. O som – supostamente vindo dos espectadores – é mais baixo, mas a voz é muito, mas muito parecida com a de Mary Terezinha. Suspeito, não? Estranha também é a maneira como Teixeirinha dirige-se à platéia, com palavras bem medidas, respondidas instantaneamente e sem tumultos. É, talvez a maioria de nós jamais tenha visto um show de Teixeirinha, mas é de se imaginar que, ao pedir quatro palavras para elaborar o repente, houvesse, pelo menos, algum furor maior por parte do público.

De qualquer maneira, Teixeirinha colhe as quatro expressões necessárias e executa uma trova limpa e bastante interessante. Com arranjo baseado em milonga, ele rima com as palavras “amor”, “sol”, “aleijado” e “cachaça”. Para cada uma, quatro estrofes (ou quadras), intercaladas por mais aplausos. No final, depois de versos tristes e alegres, ele apela para o bom humor:



Ô, cachacinha malvada
Você tem muito freguês
Tem gente que, se pudesse
Te bebia de uma vez

Tomei um fogo esses dias
Lá no bar do português
Briguei, fui quebrando tudo
E vou contar pra vocês
Ele pra fazer justiça
Mandou chamar a polícia
Me surraram de lingüiça
E fui dormir no xadrez...



Em meio a risos e muitos aplausos, chega ao fim a faixa “Repente” encerrando, consigo, o Lado A do “Teixeirinha Show”.

Mas se as primeiras cinco músicas do LP show de Teixeirinha são bastante convincentes, não se pode dizer o mesmo do Lado B. Sem a menor explicação, somem os sons da platéia (aplausos, risos...)! Aliás, a primeira faixa (“Abertura”), além de ser a mais curta em toda a carreira de Teixeirinha (23 segundos), começa com um incompreensível toque de campanhia. Nela, o cantor agradece ao público e anuncia a próxima atração, a música “Duas Juras”.

“Duas Juras” já é uma música de arranjo mais requintado e lembra em tudo uma canção gravada em estúdio. Basicamente, discorre sobre mais um amor desencontrado. Executada em pouco mais de 3 minutos e meio, ela antecede a terceira faixa do disco, “Diálogo”, que – como o próprio nome nos indica – é uma conversa do cantor com Mary Terezinha.

Em “Diálogo”, Teixeirinha apresenta novamente Mary. Eles começam a conversar. Mary conta-lhe que sua casa ficou sem luz e, então, ela teve de chamar um eletricista que consertou o problema. Teixeirinha diz que era apenas um “fuzil” queimado (na verdade, ele referia-se a um fusível). Mary desconversa e lasca uma pergunta constrangedora: “Você já disse aí pro pessoal se é solteiro ou é casado?”. Teixeirinha reluta, mas responde afirmativamente, salientando que não tem filhos. É então que Mary praticamente encerra o diálogo com a seguinte frase: “Então vai ver que você está com o ‘fuzil’ queimado também!”.

Apesar da piada, os risos e comentários presentes no Lado A do LP não aparecem mais agora. Isto talvez se dê, porque ouvindo com muita atenção a primeira parte do disco, percebe-se que todas as manifestações supostamente oriundas do público são repetidas (os risos, assovios e sons de falas são sempre os mesmos), como se estivéssemos, por exemplo, ouvindo um destes seriados da TV americana. Na segunda face do disco – talvez por questões de qualidade, já que a mixagem do Lado A não ficou das melhores – estes sons são cortados. Em suma, o próprio disco acaba perdendo seu caráter de gravação “ao vivo”, pois desaparecem quaisquer emissões acústicas exteriores.

Se perde um pouco do dinamismo e a chancela de “ao vivo”, pelo menos “Teixeirinha Show” ganha maior familiaridade. E ele segue em frente trazendo – na quarta faixa deste lado – o instrumental “Saudades do nosso amor”, valsa interpretada por Mary Terezinha no acordeom. Depois, mas uma canção com cara de estúdio: “Tropeiro dos Pampas”, uma bonita toada falando da vida romântica levada pelos tropeiros que levam e trazem boiadas de todas as partes.

A sexta e penúltima faixa do “Teixeirinha Show” é “Pensando em ti”, uma música lindíssima (principalmente em sua poesia), interpretada com acompanhamento de pouquíssimos instrumentos (como praticamente todas as canções deste disco), mas com uma qualidade esplêndida. É mesmo o tipo de composição em que não há muito que falar...

Finalmente, chegamos a sétima faixa do Lado B. Ela encerra o disco de forma especial. Seu nome? “Diálogo e repente”, um título adequado e verdadeiro. Primeiro vem a fala, uma brincadeira bastante engraçada entre Teixeirinha e Mary Terezinha. Começa quando Mary pede licença para agradecer por um presente que recebeu – uma cabrita. Teixeira contesta, dizendo que ganhou um presente muito melhor – um bode. Para medir as qualidades dos dois animais, Mary propõe uma aposta: “Jogo a sanfona contra o seu violão que o que eu faço com a minha cabrita você não faz com o seu bode!”. Teixeirinha topa e entra numa grande fria!

Mary já começa apelando: “Eu dou banho na minha cabrita!”. Teixeirinha reluta, mas aceita. Depois, ela dificulta ainda mais: “Eu durmo com a minha cabrita!”. Mais uma vez o cantor não gosta, mas topa. Ela piora: “Eu pisco os ‘olho’ pra minha cabrita!”. Teixeira fica possesso: “Ah, mas parai! Que negócio é esse de piscar os olhos pra cabrita? Vou namorar o bode, é? Ah não, aí não vai dar não!”. Entretanto, sentindo a derrota que se aproxima, ele cede e ainda debocha que ela não terá nada mais de tão grave a dizer.

Teixeirinha não contava com a última de Mary: “Eu mamo na minha cabrita!”. Ele encerra a aposta na hora: “Pode levar, porque esta eu não faço de jeito nenhum!”.

Depois da brincadeira (que é realmente engraçada, mas – insisto – não traz os risos da platéia no final), Teixeirinha decide arrematar o LP cantando em homenagem a todos que escutam o disco. Ele explica: “Já que a Chantecler está gravando este show e vai lançar o mesmo num long-play à venda em todo o Brasil eu vou agora fazer uns improvisos para as pessoas que vão comprar o meu disco show. Cantarei uns versos e começando pelo senhor dono da casa (...) e depois para a senhora dona da casa e também para os filhos... Até para a empregada. Mary Terezinha, puxa o fole!”.

Começa então a parte cantada de “Diálogo e repente”, um extraordinário improviso (que, a julgar pelo caráter fictício do “ao vivo”, não é tão improvisado assim) no qual o cantor saúda pai, mãe, filhos e até a empregada, ou seja, todos os integrantes da casa em que o disco será tocado. Dois detalhes são bastante interessantes nesta gravação: (1) Teixeirinha agradece ao dono da casa por ter-lhe comprado o disco; e (2) pela primeira (e talvez única) vez num disco ele refere-se à dona Zoraida, sua esposa legítima, num verso:



Eu já disse à minha esposa
Que é a dona Zoraida
Pra escolher secretária
Ela é uma parada

Eu quero empregada nova
Ela fica enciumada
Diz que ela é quem escolhe
A minha esposa é danada

Durante o ano ela bota
Oito ou nove ‘empregada’
Umas ‘velha’ rabugenta
Que não serve pra mais nada



Depois da última estrofe, retorna a voz do locutor dando por encerrado o show de Teixeirinha. Com um “boa noite”, encerra-se também este LP que traz Teixeirinha e Mary Terezinha na capa (ele vestido esportivamente e segurando óculos escuros e ela vestida à Jovem Guarda), pousando junto a um lindíssimo automóvel Aero Willys, em algum lugar de São Paulo (possivelmente próximo ao estádio do Pacaembu). Na foto, aparecem também três malas, duas delas utilizadas para transportar gaita e violão. Indiscutivelmente, uma das capas mais bem elaboradas da carreira fonográfica do cantor (com destaque para a sempre exuberante beleza de Mary).

“Teixeirinha Show” foi remasterizado em 2002. Ele é o volume 13 da coleção “Gauchíssimo”, lançamento da Galpão Crioulo Discos em associação com a Warner Music. Vale a pena conferir!

1 comentários:

O Caipira do Sur de Minas Gerais 13 de fevereiro de 2008 às 16:19  

Ow Chico!

Sarve Amigo!

Ow...esse "discomentando" sobre O Teixeirinha Show serve para, além de mostrar o seu talento de Historiador e Fã de Teixeirinha, nos mostrar que Sherlock Homes ainda continua deixando cada vez mais Dicípulos...rsrss...

UM GRANDE ABRAÇO AMIGO!!!!!!PARABÉNS!!!!!!!

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