TEIXEIRINHA NO SAMBA!
>> 24 de ago. de 2007
Não adianta esconder: todo o brasileiro – uns mais, outros menos – é apaixonado por samba! Cariocas, baianos, paulistas... Todos são cativados pelo ritmo que saiu das senzalas e morros para conquistar o mundo. Nós, gaúchos, como bons brasileiros, não escapamos a esta regra. Uma prova disso é o grande número de sambas e marchinhas escritos e gravados por nosso imortal Teixeirinha.
Uma das gravações mais antigas do cantor já nos mostra que ele era uma amante do ritmo e até se deixou influenciar por ele. No xote “Testamento de um gaúcho” (1962), Teixeirinha parafraseia o samba “Fita amarela”, escrito por Noel Rosa e gravado nos anos 1930 pela então dupla Mário Reis e Francisco Alves. Comparando as duas músicas, podemos sentir a semelhança entre elas. Em “Fita amarela”:
Quando eu morrer,
Não quero choro, nem vela
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela
Já em “Testamento de um gaúcho”:
Por ser gaúcho, muito homem e mulherengo
A ‘minhas’ mão não amarre com uma fita
Eu quero elas ‘amarrada’ com a trança
Da cabecinha duma chinoca bonita
Esta chinoca bonita é uma serrana
Diga a esta china, não quero choro, nem vela
E a maneira da mortalha que escolhi
Eu quero ir enrolado na saia dela
Mas antes disso, Teixeirinha já compunha sambas autênticos. Em 1961, no LP “Assim é nos pampas”, o cantor lançava o samba gaúcho “Tua carta”. Mais tarde, em 1966, seria a vez da marchinha “Aquela rosa”, sexta faixa do LP “Teixeirinha no cinema” (Chantecler).
No entanto, o primeiro grande samba composto e gravado por Teixeirinha foi “A outra Amélia”, uma espécie de resposta ao famoso samba “Amélia”, de Mário Lago. Neste batuque (com arranjo, letra e cadência de samba), Teixeirinha faz uma sutil homenagem às mães, afirmando que são elas as verdadeiras “Amélias” deste mundo, pois suportam todos os problemas dos filhos. Um trecho da letra nos conta mais sobre a idéia do compositor:
Reza por mim quando eu saio pro trabalho
Ainda diz: ‘Meu filho se arrume bem’
Não é a Amélia, que era mulher de verdade
Também não é uma Amélia só que o mundo tem
Durante todo o restante dos anos 1960, Teixeirinha passou por longe dos sambas. Contudo, já em 1970, ele retoma as gravações do gênero, fixando-o como um dos mais freqüentes em seus discos. Em 1970, vieram “Tristeza” (samba autêntico, composto por Teixeirinha e cantado por Mary Terezinha), “O caneco é nosso” (marchinha) e “Porto Alegre” (marcha). Já em 1971, seria a vez de “Aquele amor” (outro samba gravado por Mary Terezinha). Neste mesmo ano, é lançado o LP “Fora de Série”, com músicas escolhidas pelo apresentador de TV Flávio Cavalcanti. Neste disco, constam três sambas: “A volta do boêmio” (clássico de Adelino Moreira), “Caminhemos” (de Herivelto Martins) e “Vingança” (do gaúcho Lupicínio Rodrigues).
Após uma brevíssima pausa, os sambas e marchinhas retornariam aos discos de Teixeirinha no ano de 1973. Foram gravados então: “Enfermeira linda” (marchinha), “Presidente Médici” (samba) e “Mocinho bonito” (samba). Este último, inclusive, é um dos sambas mais conhecidos do cantor e foi gravado com um arranjo caprichado para época. O refrão diz:
Quando eu vim da minha terra eu fiz
Muitas meninas ‘chorar’
Eu tinha dezoito anos
Nem gosto de me lembrar
Em 1974, foram gravados uma marcha e um samba: a primeira foi “O vigilante”, homenagem de Teixeirinha à Brigada Militar do Rio Grande do Sul. Já o segundo é um desabafo do cantor sobre o que se dizia ser o fim do samba autêntico, ou de raiz. Em “A saudade que ficou”, Teixeirinha relembra os carnavais passados e o quanto eles eram, de fato, um espetáculo:
Cadê as marchas bonitas
Dos tempos de antigamente?
Dos carnavais que passaram, que pena,
Hoje é tão diferente!
Vieram outros sambas e marchas. Aliás, vieram muitos mais. Em 1977, foram duas marchinhas, a primeira intitulada “Canta meu povo” (um grande sucesso) e, depois, “Marcelita”. Em 1978, foi a vez do samba “Inseparável violão” e de “Embolada” (uma das mais alegres e divertidas canções da carreira de Teixeirinha). Em 1979, comemorando vinte anos de carreira, o “Gaúcho coração do Rio Grande” compôs e gravou o samba “20 anos de glória”. No mesmo disco, foi lançado o batuque “Iemanjá”, uma homenagem à “Rainha do Mar”.
No final da carreira, Teixeirinha compôs e gravou pelo menos mais três sambas de sucesso: “Um susto na morena” (1983), “Amor desfeito” (um dos grandes sucessos de 1984) e “Querendo chorar” (1985). Este último, graças à bonita poesia da letra, acabou por ser regravado, anos depois, pela cantora gaúcha Adriana Calcanhoto.
Enfim, Teixeirinha mostrou com seus sambas, que não conhecia limites. Assim como cantou os gêneros gaúchos e platinos (com tangos e milongas), cantou o forró, o arrasta-pé, a moda sertaneja e, claro, o samba. Não era exclusivamente um gaúcho, era um brasileiro, e sua obra não deixa dúvidas quanto a isso. Para fechar este pequeno levantamento sobre sambas e marchas do “Rei do disco”, escolhi um autêntico samba que nos mostra uma brincadeira – feita pelo próprio Teixeirinha – com a possibilidade irreal dele se tornar uma espécie de “gaúcho coração do samba”. Com vocês, “Malandro legal”, gravação de Teixeirinha em 1975:
*
A minha vida, mudei ela de repente
Inteligente, não precisa trabalhar
Saí de casa, só no peito e na coragem
E caí na malandragem, fui aprender a dançar
Primeira noite, eu entrei numa boate
Não dou nada por empate, uma dona fui tirar
Eu rebolava que dava nó nas cadeiras
E a mulata faceira, de mim começou gostar
Eu não sou trouxa, passei a conversa nela
Tomei o dinheiro dela e fui pra mesa jogar
Os malandruxos não entenderam a camanga
Com quatro carta na manga eu só tinha que ganhar
*
Na outra noite já entrei no ambiente
Distintamente, mas levei meu violão
Meu terno branco, colarinho engomado
Malandrinho diplomado, com uma noite de função
Cantei um samba de Adelino Moreira
Começou a brincadeira quando prestei atenção
Os malandruxos que ‘tinha’ sido explorados
Com uma mulata do lado, me pediram explicação
Entrei na briga, dei pernada, dei rasteira
Quatro ou cinco na poeira eu fiz rolar pelo chão
Chegou a cana, depois que eu tinha engrossado
O salão todo quebrado, me levaram pra prisão
[Falado – Teixeirinha]
“- Que isso, seu guarda? Larga a gente aí, que a gente pode repartir essa nota!”
“- Que nada, rapaz! Não vou perder o leite das ‘criança’!”
“-Mas, seu guarda, vem...”
“-Não tem nada, ‘güenta’ o estarro! Amanhã, tu fala com o majura e... sai!”
*
O delegado era meu chapa, meu amigo
Tirou castigo, fui pra farra novamente
De terno novo, com uma gravata roxa
Com o dinheiro dos trouxas, entrei numa diferente
Quanta mulher, quanta bebida, quanto jogo
Fingi que fiquei de fogo, mas estava consciente
Sorria muito, me fazia humanitário
Ia firme no otário e chamava de parente
Ora jogava, ora bebia, ora dançava
Quanta mulher que sobrava pro malandro inteligente
Certa manhã, levei um susto danado
Da cama fui acordado com a Mary em minha frente
[Falado - Mary Terezinha]
“Levanta Teixeira! Nós temos que viajar! Hoje tem fandango no CTG Osório Porto, em Passo Fundo!
[Falado – Teixeirinha]
“Que fandango nada! Sanfona já era! O meu negócio agora é cavaco, pandeiro e tamborim!
[Falado - Mary Terezinha]
“Que cavaco, pandeiro nada, rapaz! Você é o Teixeirinha, um homem direito, o grande cantor regionalista! Você se bateu a noite toda... Sonhou tolices, heim?”
[Falado – Teixeirinha]
“É mesmo!”
Muito obrigado dona Mary Terezinha
Acordou o Teixeirinha, foi um sonho minha gente
TEXTO: Chico Cougo
FOTO: Revista Modinhas Sertanejas, nº 6 (Cortesia: Prof. Claudiomar de Oliveira)
Uma das gravações mais antigas do cantor já nos mostra que ele era uma amante do ritmo e até se deixou influenciar por ele. No xote “Testamento de um gaúcho” (1962), Teixeirinha parafraseia o samba “Fita amarela”, escrito por Noel Rosa e gravado nos anos 1930 pela então dupla Mário Reis e Francisco Alves. Comparando as duas músicas, podemos sentir a semelhança entre elas. Em “Fita amarela”:
Quando eu morrer,
Não quero choro, nem vela
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela
Já em “Testamento de um gaúcho”:
Por ser gaúcho, muito homem e mulherengo
A ‘minhas’ mão não amarre com uma fita
Eu quero elas ‘amarrada’ com a trança
Da cabecinha duma chinoca bonita
Esta chinoca bonita é uma serrana
Diga a esta china, não quero choro, nem vela
E a maneira da mortalha que escolhi
Eu quero ir enrolado na saia dela
Mas antes disso, Teixeirinha já compunha sambas autênticos. Em 1961, no LP “Assim é nos pampas”, o cantor lançava o samba gaúcho “Tua carta”. Mais tarde, em 1966, seria a vez da marchinha “Aquela rosa”, sexta faixa do LP “Teixeirinha no cinema” (Chantecler).
No entanto, o primeiro grande samba composto e gravado por Teixeirinha foi “A outra Amélia”, uma espécie de resposta ao famoso samba “Amélia”, de Mário Lago. Neste batuque (com arranjo, letra e cadência de samba), Teixeirinha faz uma sutil homenagem às mães, afirmando que são elas as verdadeiras “Amélias” deste mundo, pois suportam todos os problemas dos filhos. Um trecho da letra nos conta mais sobre a idéia do compositor:
Reza por mim quando eu saio pro trabalho
Ainda diz: ‘Meu filho se arrume bem’
Não é a Amélia, que era mulher de verdade
Também não é uma Amélia só que o mundo tem
Durante todo o restante dos anos 1960, Teixeirinha passou por longe dos sambas. Contudo, já em 1970, ele retoma as gravações do gênero, fixando-o como um dos mais freqüentes em seus discos. Em 1970, vieram “Tristeza” (samba autêntico, composto por Teixeirinha e cantado por Mary Terezinha), “O caneco é nosso” (marchinha) e “Porto Alegre” (marcha). Já em 1971, seria a vez de “Aquele amor” (outro samba gravado por Mary Terezinha). Neste mesmo ano, é lançado o LP “Fora de Série”, com músicas escolhidas pelo apresentador de TV Flávio Cavalcanti. Neste disco, constam três sambas: “A volta do boêmio” (clássico de Adelino Moreira), “Caminhemos” (de Herivelto Martins) e “Vingança” (do gaúcho Lupicínio Rodrigues).
Após uma brevíssima pausa, os sambas e marchinhas retornariam aos discos de Teixeirinha no ano de 1973. Foram gravados então: “Enfermeira linda” (marchinha), “Presidente Médici” (samba) e “Mocinho bonito” (samba). Este último, inclusive, é um dos sambas mais conhecidos do cantor e foi gravado com um arranjo caprichado para época. O refrão diz:
Quando eu vim da minha terra eu fiz
Muitas meninas ‘chorar’
Eu tinha dezoito anos
Nem gosto de me lembrar
Em 1974, foram gravados uma marcha e um samba: a primeira foi “O vigilante”, homenagem de Teixeirinha à Brigada Militar do Rio Grande do Sul. Já o segundo é um desabafo do cantor sobre o que se dizia ser o fim do samba autêntico, ou de raiz. Em “A saudade que ficou”, Teixeirinha relembra os carnavais passados e o quanto eles eram, de fato, um espetáculo:
Cadê as marchas bonitas
Dos tempos de antigamente?
Dos carnavais que passaram, que pena,
Hoje é tão diferente!
Vieram outros sambas e marchas. Aliás, vieram muitos mais. Em 1977, foram duas marchinhas, a primeira intitulada “Canta meu povo” (um grande sucesso) e, depois, “Marcelita”. Em 1978, foi a vez do samba “Inseparável violão” e de “Embolada” (uma das mais alegres e divertidas canções da carreira de Teixeirinha). Em 1979, comemorando vinte anos de carreira, o “Gaúcho coração do Rio Grande” compôs e gravou o samba “20 anos de glória”. No mesmo disco, foi lançado o batuque “Iemanjá”, uma homenagem à “Rainha do Mar”.
No final da carreira, Teixeirinha compôs e gravou pelo menos mais três sambas de sucesso: “Um susto na morena” (1983), “Amor desfeito” (um dos grandes sucessos de 1984) e “Querendo chorar” (1985). Este último, graças à bonita poesia da letra, acabou por ser regravado, anos depois, pela cantora gaúcha Adriana Calcanhoto.
Enfim, Teixeirinha mostrou com seus sambas, que não conhecia limites. Assim como cantou os gêneros gaúchos e platinos (com tangos e milongas), cantou o forró, o arrasta-pé, a moda sertaneja e, claro, o samba. Não era exclusivamente um gaúcho, era um brasileiro, e sua obra não deixa dúvidas quanto a isso. Para fechar este pequeno levantamento sobre sambas e marchas do “Rei do disco”, escolhi um autêntico samba que nos mostra uma brincadeira – feita pelo próprio Teixeirinha – com a possibilidade irreal dele se tornar uma espécie de “gaúcho coração do samba”. Com vocês, “Malandro legal”, gravação de Teixeirinha em 1975:
*
A minha vida, mudei ela de repente
Inteligente, não precisa trabalhar
Saí de casa, só no peito e na coragem
E caí na malandragem, fui aprender a dançar
Primeira noite, eu entrei numa boate
Não dou nada por empate, uma dona fui tirar
Eu rebolava que dava nó nas cadeiras
E a mulata faceira, de mim começou gostar
Eu não sou trouxa, passei a conversa nela
Tomei o dinheiro dela e fui pra mesa jogar
Os malandruxos não entenderam a camanga
Com quatro carta na manga eu só tinha que ganhar
*
Na outra noite já entrei no ambiente
Distintamente, mas levei meu violão
Meu terno branco, colarinho engomado
Malandrinho diplomado, com uma noite de função
Cantei um samba de Adelino Moreira
Começou a brincadeira quando prestei atenção
Os malandruxos que ‘tinha’ sido explorados
Com uma mulata do lado, me pediram explicação
Entrei na briga, dei pernada, dei rasteira
Quatro ou cinco na poeira eu fiz rolar pelo chão
Chegou a cana, depois que eu tinha engrossado
O salão todo quebrado, me levaram pra prisão
[Falado – Teixeirinha]
“- Que isso, seu guarda? Larga a gente aí, que a gente pode repartir essa nota!”
“- Que nada, rapaz! Não vou perder o leite das ‘criança’!”
“-Mas, seu guarda, vem...”
“-Não tem nada, ‘güenta’ o estarro! Amanhã, tu fala com o majura e... sai!”
*
O delegado era meu chapa, meu amigo
Tirou castigo, fui pra farra novamente
De terno novo, com uma gravata roxa
Com o dinheiro dos trouxas, entrei numa diferente
Quanta mulher, quanta bebida, quanto jogo
Fingi que fiquei de fogo, mas estava consciente
Sorria muito, me fazia humanitário
Ia firme no otário e chamava de parente
Ora jogava, ora bebia, ora dançava
Quanta mulher que sobrava pro malandro inteligente
Certa manhã, levei um susto danado
Da cama fui acordado com a Mary em minha frente
[Falado - Mary Terezinha]
“Levanta Teixeira! Nós temos que viajar! Hoje tem fandango no CTG Osório Porto, em Passo Fundo!
[Falado – Teixeirinha]
“Que fandango nada! Sanfona já era! O meu negócio agora é cavaco, pandeiro e tamborim!
[Falado - Mary Terezinha]
“Que cavaco, pandeiro nada, rapaz! Você é o Teixeirinha, um homem direito, o grande cantor regionalista! Você se bateu a noite toda... Sonhou tolices, heim?”
[Falado – Teixeirinha]
“É mesmo!”
Muito obrigado dona Mary Terezinha
Acordou o Teixeirinha, foi um sonho minha gente
TEXTO: Chico Cougo
FOTO: Revista Modinhas Sertanejas, nº 6 (Cortesia: Prof. Claudiomar de Oliveira)
4 comentários:
Amigo, sem comentários, gosto muito de tudo o que escreves sobre o nosso Rei do Disco, como ja te falei fico ancioso para entrar em tua pagina pra ler o que escreves tens muito talento. Grande abraço e muito obrigado
Estou com "Nereisc"...Fico ansioso para ler as matérias sobre Teixeirinha. Parabéns mais uma vez.
Adoro o Samba "20 Anos de Glória"! Bela matéria Chico.
Obrigado a todos pelo carinho e pelas palavras! Vocês são a razão de existir este blog!
Postar um comentário